Com sistema atual de eleição parlamentar, minorias ameaçam direitos de mulheres e pessoas negras, que são a maioria

Jeferson Miola      //
Imagem: Operários, óleo sobre tela, 1933, de Tarsila do Amaral      //     

O Projeto de Lei 1904/2024, que ficou conhecido como o PL do estupro, foi escrito pelo deputado extremista e fundamentalista Sóstenes Cavalcante/PL e subscrito por outros 20 deputados e 11 deputadas.

A tramitação do PL em regime de urgência foi decidida por Arthur Lira em articulação com a extrema-direita para constranger e desgastar o presidente Lula, como revelou seu autor.

Da concepção à estratégia de tramitação do Projeto, uma maioria de parlamentares composta por homens se permitiu decidir sobre castigos e punições que afetam a vida, a dignidade e o corpo das mulheres, atingindo de modo mais cruel e perverso as meninas.

A Proposta de Emenda Constitucional nº 45/2023, chamada de PEC das drogas, foi assinada por 31 senadores – 26 deles brancos e 5 autodeclarados pardos.

Na prática, a proposta significará a constitucionalização do encarceramento em massa de pessoas negras, além de ser totalmente ineficaz no combate às drogas ilícitas. Especialistas em segurança pública são unânimes em prever este efeito. Deveria ser chamada, por isso, de PEC do encarceramento negro ou PEC da necropolítica.

Estudos evidenciam que o critério prevalente nas polícias para diferenciar um traficante de um usuário de droga é a cor da pele. Pessoas brancas portando a mesma quantidade de maconha para consumo próprio que pessoas pardas e pretas são enquadradas pelas polícias como usuárias, ao passo que pardos e negros são considerados traficantes.

Estas duas aberrações que estão sendo debatidas no Congresso –PL do estupro e PEC do encarceramento negro– prejudicam gravemente as mulheres e as pessoas pardas e negras.

É inaceitável um poder legislador de maioria masculina e branca tomar decisões que ameaçam a vida, os direitos e a integridade das maiorias sociais do Brasil.

Na Câmara, as mulheres ocupam apenas 90 das 513 cadeiras, 17,5%, enquanto os homens, em sua maioria com patrimônio declarado superior a R$ 1 milhão, ocupam as demais 423 vagas.

Também é enorme a desigualdade racial: 370 deputados [72,1%] são brancos, e apenas 143 são pardos, negros ou indígenas [27,9%]. É preciso considerar, no entanto, que tal proporção pode ser ainda mais desfavorável, devido à existência de burlas na autodeclaração para aumentar recursos financeiros dos fundos eleitoral e partidário.

No Senado as desigualdades de raça e gênero também são gritantes: apenas 16 mulheres [19,7%] exercem mandato, contra 65 homens [80,3%] do total de 81. E apenas 21 [25,9%] cadeiras são ocupadas por senadores/as que se declaram pardos e negros. A imensa maioria das demais 60 vagas [74,1%] são ocupadas por pessoas brancas.

É gravíssima a realidade em que maiorias sociais da população brasileira [52% de mulheres e 56% de pessoas não-brancas] sejam ameaçadas por um Poder Legislativo dominado por minorias sociais alçadas à condição de maiorias com poder político por um sistema de eleição parlamentar que deforma a representação política e perpetua desigualdades e injustiças.

É um déficit democrático notável, que precisa ser urgentemente combatido.

A sociedade brasileira precisa exigir o fim do atual sistema de escolha de representantes nos legislativos baseado no voto nominal. É a maneira de acabar com a exclusão das mulheres e pessoas negras nos espaços de decisão e poder.

O sistema de voto com listas partidárias em lugar da atual votação em indivíduos, permite avançar rapidamente na paridade de raça e gênero na representação parlamentar.

A Lei deve obrigar que na eleição para os legislativos os partidos políticos sejam obrigados a apresentar suas nominatas com listas de candidaturas formadas com observância de paridade de raça e gênero, e ordenadas de modo alternado entre mulheres e homens, e pessoas não-brancas e brancas.

O Brasil é um dos poucos países do mundo que adotam o voto nominal. Este tipo de votação enfraquece o sistema partidário, transforma mandatos em negócios e demanda campanhas bilionárias.

E, o que é pior: oportuniza que minorias sociais se apossem ilegitimamente do poder político para produzir políticas que ameaçam as maiorias nacionais, colocando em sério risco seus direitos.

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