A Argentina entre o precipício e a reação popular

Jeferson Miola  //
Foto: reprodução  //  

Quarenta e oito horas depois do anúncio das medidas extremadas de Javier Milei, e em que pese as enormes manifestações populares em Buenos Aires e no interior da Argentina, já se percebe a configuração de um cenário político para viabilizar a aprovação de pelo menos parte do projeto do governo.

Longe de representar um alívio, a aprovação mesmo que de partes do decretaço do Milei [DNU – Decreto de Necessidade e Urgência] será suficiente para provocar retrocessos estruturalmente comprometedores.

Gabriel Vitulo, cientista político argentino e professor da UFRN, suspeita que a estratégia de Milei consiste em apresentar um pacote duríssimo e inconstitucional para depois recuar e obrigar a abertura de negociações no Congresso. Até pode não ser uma estratégia pensada, “mas é um efeito esperado, diante das enormes inconstitucionalidades e ataques ao Legislativo”, afirma.

Vitulo entende que em caso de aprovação de “10% de todas monstruosidades que Milei incluiu no DNU já transforma radicalmente a estrutura econômico-social da Argentina”.

Para ser rechaçado, é preciso que a maioria absoluta de 129 deputados dos 257, ou que 37 dos 72 senadores votem contra o DNU. E isso precisa acontecer no prazo máximo de 30 dias. Do contrário, o DNU entra em vigor.

Tanto oposição quanto governo têm dificuldades em obter tal quórum em quaisquer das duas casas legislativas.

O peronismo conta com 107 deputados contra 94 do direitista Juntos por el Cambio e 38 da coalizão ultradireitista de Milei. No Senado, o peronismo tem 35 cadeiras, ao passo que o setor do ex-presidente direitista Maurício Macri tem 24 e o de Milei 8.

Se no interior do peronismo não há unanimidade assegurada contra o DNU, na base governista também não há unanimidade a favor.

Enquanto setores do peronismo admitem votar favoravelmente a determinadas propostas de Milei, representantes da União Cívica Radical [UCR] e da Coalizão Cívica –partidos da coalizão Juntos por el Cambio– criticam o componente autoritário do decretaço, mas sinalizam o endosso a várias medidas, caso apresentadas e votadas separadamente.

Para Milei, que iniciou o governo enfrentando protestos ruidosos e fortes mobilizações populares, interessa o agravamento da crise, o descontrole de preços e o caos social. Com isso, ele aposta no clamor da sociedade por saídas urgentes para tentar dividir o peronismo e unir a base governista no Congresso para aprovar ajustes drásticos.

A situação econômico-social dramática da Argentina clama por medidas, e é extremamente difícil para o peronismo, que até 10 de dezembro conduzia o país, construir uma retórica sedutora, capaz de atrair o apoio de amplas parcelas da sociedade argentina contra os planos do governo Milei.

Para deter o avanço da pauta ultraliberal devastadora, será necessária uma mobilização popular vigorosa, com força de pressão para obrigar o Congresso a derrubar o DNU e outras medidas nefastas.

Nos próximos dias e semanas o presente e o futuro da Argentina estarão sendo disputados, assim como as perspectivas do mandato de Javier Milei.

É latente o risco da Argentina mergulhar no precipício fascista-ultraliberal. A reação popular será o árbitro deste destino.

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