Militares chegam ao 8 de janeiro impunes e mais fortes

Jeferson Miola  //
Imagem: Ricardo Stuckert/PR  // 

A democracia brasileira não está nem estável nem segura; segue ameaçada e em vigília permanente pela sobrevivência.

Os militares estão vencendo –e por goleada– o campeonato de sobrevivência da democracia.

Não levaram nenhum gol contra, ou seja, seguem invictos, não sofreram nenhuma penalidade. Até o momento, nenhum integrante da hierarquia militar foi processado e preso devido aos acontecimentos de 8 de janeiro de 2023.

Além disso, neste período conseguiram marcar vários gols a favor do time [família] militar.

Os primeiros pontos foram conquistados ainda durante a transição de governo. Conseguiram emplacar José Múcio Monteiro no ministério da Defesa, um embaixador dos interesses da caserna. Também conseguiram manter o oficialato conspirador na ativa e a designação dos comandantes das três Forças de acordo com o critério de antiguidade.

Neste pacote do período da transição, ainda conseguiram manter o GSI, o Gabinete de Segurança Institucional, sob a condução de um general do Exército e totalmente incrustrado por militares, inclusive com remanescentes da gestão do famigerado Augusto Heleno ocupando postos centrais.

Depois da intentona do 8 de janeiro, o presidente Lula até insinuou medidas para desmilitarizar o Planalto e esvaziar as funções militares no Estado brasileiro, mas sem avanços concretos.

A transferência da ABIN [Agência Brasileira de Inteligência] do GSI para a Casa Civil não foi aceita pelos militares. Na prática, criam paralelismo de atuação, usurpam a missão institucional da ABIN, como na política de inteligência de Defesa e no Comitê de Cibersegurança, e trabalham para recuperar a subordinação da Agência ao controle militar via GSI.

As Forças Armadas foram agraciadas com R$ 52,9 bilhões para investimentos do PAC, cifra superior aos investimentos plurianuais em muitas outras áreas essenciais, como o SUS.

O governo Lula renunciou à atualização da política nacional de Defesa pelo poder político e sociedade civil e entregou aos próprios militares essa política de Estado fundamental para o desenvolvimento nacional e para a inserção geopolítica do Brasil. Lula também recuou em relação às operações de Garantia da Lei e da Ordem.

Em articulação com o senador oposicionista e líder bolsonarista Carlos Portinho/Pl-RJ, as cúpulas fardadas defendem uma emenda constitucional para elevar os gastos militares a 2% do PIB. Isso representa um incremento de cerca de R$ 70 bilhões anuais para engordar o orçamento das Forças Armadas que destina mais 83% para pagamento de pessoal, principalmente de reservistas e pensões imorais a esposas e filhas de militares.

No Congresso agem livremente com assessorias legislativas que fazem lobby pelas pautas corporativas. Conseguiram impedir a mudança do artigo 142 da Constituição proposta pelo deputado petista Carlos Zarattini/PT-SP e também estão conseguindo impedir a recriação da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos.

Como um governo dentro do governo, os estamentos militares exercem diplomacia própria, realizam treinamentos e adestramentos com forças armadas estrangeiras e mantêm estruturas dispendiosas com centenas de adidos nos países da OTAN [nos EUA e Europa].

O ministro José Múcio e os comandantes militares falam repetidamente na necessidade de se “pacificar” a relação com os militares. Ora, esta é uma retórica no mínimo esdrúxula.

Os próprios militares promoveram uma guerra à democracia, ao PT e a Lula e, uma vez derrotados na tentativa de golpe, agem cinicamente como um exército em retirada que tenta impor aos vencedores suas exigências e condições para o armistício.

Os militares representam, historicamente, uma ameaça à democracia. São o principal fator de instabilidade e de insegurança institucional no Brasil.

É de se lamentar, por isso, que Congresso, Governo Federal, judiciário e instituições do poder civil desaproveitem as circunstâncias criadas com o fracasso dos intentos golpistas, que desnudaram a natureza conspirativa das cúpulas fardadas e seu projeto de poder estamental.

Os militares não só conseguiram impor nova anistia tácita para continuarem impunes, como também reconquistaram espaços estratégicos, de poder político e administrativo. Na rememoração do 8 de janeiro, os militares chegam impunes e mais fortes.

E continuam ampliando cada vez mais sua influência e recursos de poder, o que poderá ser fatal para a sobrevivência da democracia numa futura conjuntura de crise e instabilidade política.

6 comentários em “Militares chegam ao 8 de janeiro impunes e mais fortes

  1. Ah, prezado Jefferson, não tiro um vírgula do que você disse, até pq não sou boa em virgular…risossss!!! mas estou falando sério! Como já comentei aqui, os militares são um fator real de poder desde o Brasil Império (o único Império na História mundial – penso eu – paradoxalmente ou voltado para dentro do seu próprio território, tendo o próprio povo como alvo de extermínio) e, assim, continua com a República…

    A nossa História é realmente uma lástima, nesse aspecto, e com reflexos muito negativos na construção da nossa democracia, sempre frágil, no fio da esperança equilibrista que vivemos e cantamos.

    Considerando os passos em falso que o governo Lula dá nessa área militar, eu me esforço muito para entender o que acontece, sem responsabilizar Lula por isso. Chego a pensar que talvez seja difícil para ele fazer diferente, e mais difícil, ainda, pra nós, civis, aceitarmos o que se passa, depois dos 21 anos. A nossa fase adulta sob o autoritarismo chegou sem que os traumas tenham sido resolvidos.

    Tendo a pensar que a razão desse processo talvez seja mais simples do que supomos: quem tem as armas tem o poder! Talvez tenha sido assim ao longo de quase toda História do mundo no passado remoto e recente. As exceções a essa regra são poucas e, no geral, elas têm a ver com uma invasão a um território completamente desconhecido pelo invasor. Penso no Vietnam, p.exemplo.

    Ter armas não foi o suficiente para vencer mas foi um grande incentivo para invadir!

    No caso brasileiro, os militares desde sempre estão aqui com incentivo/apoio da indústria cultural estadunidense que lhes faz levando-os a imitar o Rambo; como tal eles se colocam perante o povo que em sua maioria não detém as armas. E nem seria bom que as tivessem para deixar bem claro! Afinal, a lógica estadunidense de uso da força em todas as situações continua entre nós e a idolatria às armas, como resultado dessa influência, também. Militares não estão apenas convencidos da ideia de que as armas dão o tom, como exercem com uma bala na agulha o poder sobre nós quando queremos que a nossa opinião seja ouvida.

    Eles têm até a uma Justiça pra eles. E a nossa tem olhos vendados para nós e escuta atenta para eles, quando a venda dos olhos é tirada para não enxergar as estrelas no ombro de cada um.

    Realmente, não sei o que o poder civil pode fazer para conter o poder militar. A única possibilidade é arregimentar a população civil e lhes recontar a História que foi por tanto tempo adulterada na fala e nos escritos. O Brasil é muito mais do que uma narrativa, mas os fatos reais que atravessaram a nossa História produziram uma narrativa eficaz cuja desconstrução parece ter chegado muito tarde. Foram 21 anos de ditadura e o tempo subsequente a isso foi de festa seguida de uma demência.

    Desculpe-me se pareço pessimista quanto ao tema, contudo, preciso dizer que mesmo assim guardo no fundo da minh’alma a esperança de que a incompetência eloqüente dos militares que sempre deixam rastro venha a conspirar contra eles que não sabem como re (existir) sem a rastro do imperialismo que declina lá fora e os deixará órfãos, mutilados sem o braço forte das armas.

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  2. Vou discordar em um ponto de você, Jeferson, por que eles estão mantendo o poder que sempre tiveram, mas não conseguiram efetivar mais um golpe contra o PT e o Estado democrático de direito, diferentemente do que ocorreu com Dilma Roussef, com STF e tudo. O que mostra que as FFAA perderam força política… O apoio ao fascismo não deu os frutos que estavam querendo colher… Vai ficar para um outro golpe…

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