Conselheira do TCE recomenda que privatização do Governo Leite seja investigada pela Polícia

Jeferson Miola  //
Foto: Maurício Tonetto

Na eleição, o governador do Rio Grande do Sul Eduardo Leite/PSDB prometeu não privatizar empresas estatais. No governo, no entanto, ele desmentiu a falsa promessa de campanha e patrocinou negócios ruinosos e lesivos ao interesse público por meio da privatização de empresas estatais.

Em maio de 2021 o governador tucano entregou por irrisórios R$ 100.000 – cem mil reais! – a Companhia Estadual de Energia Elétrica/Distribuidora [CEEE-D] para o Grupo Equatorial Energia, que tem como acionistas principais o BTG Pactual/Squadra Investimentos e o Banco Opportunity.

Pelo ridículo preço pago, que equivale ao valor de 50 aparelhos celulares do modelo simples, o Grupo Equatorial ganhou o mercado de distribuição de energia elétrica para 1.792.000 consumidores de 72 municípios gaúchos.

Os efeitos da privatização da CEEE foram imediatamente sentidos pela população, que passou a padecer, como nunca antes na época da CEEE pública, com quedas frequentes no fornecimento de energia, lentidão nos consertos da rede, desatendimentos e longas jornadas de escuridão em estabelecimentos comerciais e domicílios.

O governador Leite está agora numa cruzada obsessiva para finalizar mais uma privatização prejudicial ao Estado.

Trata-se da entrega da Companhia Riograndense de Saneamento, CORSAN, empresa responsável pelo abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto em 317 dos 497 municípios do Rio Grande do Sul.

Conselheiros/as do Tribunal de Contas do Estado/TCE alertam que a licitação realizada em 22 de dezembro de 2022 que culminou na venda da CORSAN por R$ 4,1 bilhões, com apenas 1,15% de ágio, é repleta de erros, falhas contábeis e irregularidades relevantes.

Integrantes do Tribunal demonstram que o preço pelo qual o Grupo AEGEA [controlado pelo Grupo Equipav, Fundo Cingapura e Itaúsa] arrematou a empresa foi subavaliado, no mínimo, em mais de um bilhão de reais.

Ao longo de um ano, o processo recebeu três pareceres no TCE contrários à continuidade da licitação: das conselheiras substitutas Heloisa Picinnini, em 6 de julho de 2022; de Daniela Zago, em 16 de dezembro de 2022, seis dias antes da licitação que não deveria ter ocorrido; e, mais recentemente, da conselheira Ana Moraes, em 18 de julho de 2023.

Os pareceres coincidiram no apontamento de irregularidades e na necessidade de se realizar nova licitação, após corrigidos os gravíssimos vícios detectados.

Em manifestação de 3 de julho passado, o procurador do Ministério Público de Contas junto ao TCE, Geraldo da Camino, também defendeu a anulação da licitação para evitar a consumação de prejuízos certos e irreversíveis ao Estado.

Devido a uma decisão cautelar do TCE que impedia o governador Leite de assinar o contrato de entrega da CORSAN ao Grupo AEGEA, o processo ficou travado até o dia 7 de julho.

Nesta data, porém, o presidente do TCE, ex-deputado do MDB Alexandre Postal, correligionário do vice-governador do Estado, e cujo irmão gêmeo ocupa cargo de Diretor no Banco do Estado do RS [BANRISUL], tomou uma decisão monocrática ilegal e anti-regimental, e derrubou a decisão cautelar da Corte.

Na noite deste mesmo dia 7, apenas algumas horas depois da decisão de Alexandre Postal, o governador apressou-se em realizar cerimônia para a assinatura do contrato que sacramentou a entrega da CORSAN para o Grupo AEGEA.

Apesar disso, entretanto, o processo ainda está pendente de deliberação no TCE. Avalia-se que a entrega da CORSAN, recheada de ilegalidades e irregularidades, mesmo assim deverá ser aprovada pela maioria de conselheiros do TCE, formada por ex-deputados do PTB, MDB e PP.

Além da conselheira Ana Moraes, o conselheiro Estilac Xavier manifestou-se contra a decisão. Há expectativa de que o conselheiro Renato Azeredo, que representa as carreiras técnicas no Pleno do Tribunal, também poderá seguir o mesmo caminho.

Mas, mesmo aprovada pelo TCE, a privatização da CORSAN deverá ganhar os tribunais, ser investigada pelo Ministério Público e, inclusive, pela Polícia Civil, como recomendado no voto da conselheira Ana Moraes em 18 de julho.

Nele, Ana Moraes alerta para a possível ocorrência de ilícitos na licitação, como a

“frustração do caráter competitivo, por causa da incorporação demasiada de riscos desnecessários, devidos a erros de gestão de projetos e a não correção das nulidades constantes nos termos aditivos de erradificação, mas, também, devido à subavaliação decorrentes de distorções da projeção da atividade operacional da CORSAN”.

No voto pronunciado na sessão do TCE de 20 de julho, a conselheira registrou que

“ao final do terceiro trimestre de 2022 já era perceptível que havia uma distorção. Não obstante a isso, o aviso de leilão número 1/2022 foi publicado em 29 de novembro de 2022 sem as correções das projeções das modelagens para fixar o valuation e o preço de referência para a formação de lances no leilão”.

E a conselheira concluiu que “o gestor da CORSAN, mesmo tendo acesso em tempo real aos resultados financeiros e podendo fazer as correções ainda na fase interna da licitação, permaneceu silente quanto a estes fatos”.

O encaminhamento do processo à Polícia Civil indica, presumivelmente, a existência de crimes na privatização realizada pelo governo do Estado. Aparentemente, portanto, pode-se estar diante de um caso de polícia, não de posição ideológica ou doutrinária sobre privatizações.